Na última semana, 18.05.2018, foi notícia em diversos veículos de comunicação internacional o estudo do Parlamento britânico que avalia a possibilidade do desmembramento forçado do maior grupo de empresas multinacionais de auditoria e consultoria, as famosas “Big Four” – incluídas aqui Deloitte, Ernst & Young, KPMG e PwC. Sob o argumento da regulamentação deste mercado, as empresas seriam obrigadas a separar os serviços de auditoria e consultoria, visando a diminuição do conflito de interesses na área.
Tal notícia não foi recebida como surpresa pelos principais executivos destas multinacionais que, segundo o Financial Times, há muito estudam possíveis cenários para a cisão forçada de seus negócios. A questão se dá porque há um constante desequilíbrio no mercado de auditoria e consultoria naquele país, também fortemente percebido no Brasil: as maiores empresas de auditoria e consultoria ficam, invariavelmente, com a grande parcela de clientes dispostos a despenderem com os serviços de auditoria.
Ocorre que, ao tomarem esta grande parcela de negócios, há um desequilíbrio de mercado visto através da diminuição de competitividade na área. Para se ter ideia, das 350 maiores empresas do Reino Unido, apenas 9 não foram auditadas pelo grupo das Big Four em 2017. Resultado disso são os desafios de inserção no mercado que as empresas de auditoria de pequeno e médio porte encontram ao se depararem com uma competição tão acirrada, que vão desde à prospecção de clientes até os entraves de uma possível contratação.
Aliado a isso, outro fator apontado no relatório e que embasou a busca pela regulamentação estatal dessa área pelo parlamento britânico, reside no fato de que as próprias empresas escolhem as firmas de auditoria – o que pode vir a gerar um conflito de interesses [1].
Esta situação gerada no setor privado se dá, em grande parte, porque uma Big Four, ao oferecer determinado serviço de consultoria à empresa, pode compelir a última a contratar a multinacional também para a execução dos serviços de auditoria, o que implicaria numa condução inadequada de dois serviços independentes entre si.
Considerada por muitos como polêmica, a posição do parlamento britânico pela regulamentação da área é controversa. De um lado, profissionais da área de auditoria defendem que o impedimento maior na inserção do serviço de auditoria externa em empresas de pequeno e médio porte ocorre porque, os honorários deste trabalho advêm das horas trabalhadas, e que a execução deste serviço demanda experiência em auditoria, o que acaba por encarecer a remuneração de um auditor capacitado e qualificado. Daí que o problema estaria justamente no preço de mercado ofertado por essas empresas e não necessariamente no escopo de serviços ou de seus produtos passíveis de serem oferecidos às empresas, organizações e instituições.
Em contrapartida, há os que argumentam que a prática das multinacionais em auditoria – as Big Four – é ilegítima e que o serviço vem sendo tratado há anos como uma “commodity”: a qualidade é preterida a despeito da quantidade. Exemplo disso, segundo esta lógica, é que as Big Four prospectariam seus clientes de auditoria através das inúmeras consultorias que vêm realizando nas mais diversas empresas em inúmeros segmentos.
Fato é que, apesar de muitas objeções, o relatório do parlamento britânico aponta veementemente um episódio emblemático recente na Inglaterra: a falência da construtora Carillion em janeiro deste ano, com uma dívida na quantia de 7 bilhões de libras esterlinas e apenas 29 milhões em caixa. O escândalo na saúde financeira da empresa remonta ao eminente conflito de interesses provocado pelo combo de uma consultoria, seguida por uma auditoria realizada pela mesma empresa, surpreendentemente, uma das Big Four.
A principal preocupação, no entanto, é a consequência que esse desdobramento trará ao mercado de auditoria no país e, posteriormente ao resto do mundo, uma vez que estamos falando de multinacionais consolidadas há décadas no mercado de auditoria. Seria possível, então, antevermos as consequências de uma possível separação no escopo de serviços oferecidos pelas quatro maiores multinacionais do setor de auditoria do mundo?
O primeiro cenário possível é o desmantelamento das multinacionais em firmas menores e distintas entre si. Isso significa dizer, por exemplo, que existiria uma Deloitte Consultoria e uma Deloitte Auditoria, empresas que, apesar de terem o nome e uso da marca em comum, não conversam entre si no que diz respeito à gestão e à condução de dois serviços diferentes e independentes entre si. O segundo cenário seria, aos poucos, abdicar dos serviços de auditoria e investir pesado nas atividades de consultoria. Isso é possível porque a maior parte dos serviços realizados hoje pelas Big Four não são de auditoria. Entretanto, essa possibilidade é considerada como a mais improvável, já que foi através da auditoria que estas empresas se consolidaram internacionalmente no mercado.
Roger Maciel de Oliveira
[nz_sep top=”20″ bottom=”20″ width=”” height=”” type=”solid” color=”#e0e0e0″ align=”left” /][1] No Brasil, a Lei 12.813/2013 dispõe sobre o conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego público. Trata-se de uma situação gerada pelo confronto entre interesses públicos e privados, que possa comprometer o interesse coletivo ou influenciar, de maneira imprópria, o desempenho da função pública.